O artigo foi publicado em 28 de abril na Folha de São Paulo.
Nas últimas décadas, o Brasil criou uma tradição sólida de monitoramento de suas políticas educacionais, com um conjunto de avaliações de larga escala como o Sistema de Avaliação de Educação Básica (Saeb) e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que atravessaram governos, de distintas orientações, por serem políticas de Estado. Essas avaliações são elementos fundamentais para a construção de políticas públicas para a educação, baseadas no nível de aprendizagem de crianças e jovens no Brasil. Porém, estão seriamente ameaçadas de desaparecerem no atual governo.
Observamos em curso no Ministério da Educação um movimento de enfraquecimento da pauta da avaliação e dos dados educacionais, que poderá representar um enorme retrocesso nas políticas educacionais brasileiras. O grupo de trabalho destinado a discutir a revisão do Ideb, com participação de gestores e especialistas, foi dissolvido, e o Saeb 2021, fundamental para mensurar o impacto da pandemia da Covid-19 na aprendizagem e no progresso escolar dos alunos, está sob risco de ser cancelado. Além disso, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) tem sido enfraquecido institucionalmente, com esvaziamento de suas atribuições e afastamento do processo decisório em temas de sua competência.
Nesta quarta-feira (28), Dia da Educação, é importante lembrar que o Saeb teve sua constituição há quase 30 anos para apoiar o diagnóstico da aprendizagem no nível nacional, sofrendo diversos processos incrementais para sua melhoria. A aplicação censitária, bem como o uso de questionários contextuais e a Teoria da Resposta ao Item (TRI), trazem uma dimensão de validade e confiabilidade ao Saeb, além de expandir a compreensão sobre fatores relevantes para aprendizagem por meio das informações contextuais e comparabilidade dos resultados ao longo do tempo. Outro fator importante é a agregação de seus resultados no nível da escola, o que permitiu um olhar qualificado da comunidade educacional para o avanço da aprendizagem nos componentes avaliados.
Por outro lado, de maneira parecida, o Ideb é uma ferramenta de monitoramento e indução da qualidade nas políticas educacionais, calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e das médias de desempenho dos estudantes nas avaliações do Saeb. É com base nos resultados desse indicador que o MEC e as secretarias estaduais e municipais criam políticas e ações para fazer com que os dados influenciem melhorias efetivas no ensino.
Com esses índices, a comunidade educacional também pode cobrar das instituições pertinentes medidas para que o nível de aprendizagem dos estudantes aumente, além de permitir aprendizados e uma visualização histórica sobre políticas educacionais no país.
A consolidação dessas conquistas para a educação brasileira só foi possível devido ao protagonismo do Inep cujo corpo técnico estável e com alto nível de especialização tem sido um instrumento fundamental para o desenho, implementação e continuidade das políticas educacionais no Brasil.
Caso o governo persista no caminho do desmonte das avaliações educacionais e do enfraquecimento do Inep incorrerá num enorme erro, de consequências trágicas para o país. Sem coleta de dados, elaboração de índices e fortalecimento do corpo técnico, a educação estará às escuras, e é nesse tipo de ambiente que vicejam os interesses mais escusos.
Recomendamos fortemente a realização do Saeb 2021, ainda que apenas em caráter amostral. Não podemos abrir mão deste poderoso subsídio para os gestores públicos com informações sobre o impacto da pandemia no desempenho dos alunos; da retomada do processo de planejamento do futuro do Saeb, em linha com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC); e da retomada do processo participativo de revisão do Ideb, permitindo o aperfeiçoamento do índice com prioridade para a mensuração da equidade educacional e o fortalecimento institucional do Inep.
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Fonte: Folha de São Paulo