O ministro da Educação, Milton Ribeiro, compareceu sem aviso prévio à reunião da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados desta quarta-feira (17/11), que votava sua convocação para dar explicações sobre acusações que levaram 37 servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Texeira (Inep) a pedir exoneração a poucos dias da realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Em sua fala inicial, o Ribeiro negou interferência do governo na escolha de temas e questões que formam a prova. A comissão discutia quatro requerimentos de convite ou convocação do ministro para explicar a declaração do presidente da República, Jair Bolsonaro, de que o Enem terá a “cara do governo” e os pedidos de exoneração dos funcionários.
“O Enem tem a cara do governo, no sentido de competência, honestidade, seriedade, essa é a cara do governo, é a cara do nosso governo. Nós não temos nenhum ministro preso, nós não temos nenhum caso de corrupção, é isso que é importante”, disse Milton Ribeiro.
“Com relação à prova do Enem, a possibilidade de qualquer interferência está totalmente fora da história, fora de contexto”, garantiu o ministro, ressaltando que, por uma questão de hierarquia, ele podia ter pedido acesso às provas, mas não o fez.
“Eu não posso achar anormal o ministro da Educação ter acesso, mas eu abri mão disso, considerando as polêmicas que poderia gerar. Em nenhum momento, houve interferência na qualidade e na quantidade, porque essas questões fazem parte de um banco de questões que já havia sido preparado em outras gestões. Nós só tivemos uma comissão que escolheu as questões”, completou.
O ministro pediu “paciência” aos deputados para verificar as questões após a realização das provas, marcadas para os dias 21 e 28 de novembro, e se ofereceu para voltar à comissão depois disso, caso seja apontada alguma questão ideológica no Enem.
Segundo o ministro, o exame vai ser técnico, mas não vai ter questões peculiares a guetos ideológicos. “A hora que eu coloco questões que são peculiares a determinados guetos ideológicos ou pensamentos numa prova do Enem que atinge 3 milhões, 4 milhões, 5 milhões, eu estou dando uma primazia para um grupo que está acostumado a uma determinada linguagem e prática em detrimento de uma grande maioria do povo brasileiro, que não conhece esse tipo de linguajar e palavras-chaves”, afirmou.
Exonerações
Nos últimos dias, 37 servidores pediram exoneração de seus cargos em comissão no Inep, alegando fragilidade técnica e administrativa na gestão e inaptidão do presidente do órgão, Danilo Dupas. Também foram relatados casos de assédio moral por parte dele.
O ministro, no entanto, atribuiu os pedidos de exoneração a um “ruído” em relação ao recebimento da chamada Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso (GECC) pelos servidores que elaboram as provas do Enem.
De acordo com o ministro, esses servidores recebem salário, gratificação por Direção e Assessoramento Superior (DAS) e a GECC. Ribeiro explicou, porém, que existem alguns servidores cuja função e descrição dos cargos que exercem já contempla a montagem da prova. “A que título deveriam ganhar mais R$ 40 ou R$ 50 mil anuais do erário público somando-se a seus salários?”, questionou. Segundo ele, em média, esses servidores ganham R$ 36 mil anuais de GECC, mas alguns chegaram a receber R$ 70 mil ao ano.
“A parte mais doída do ser humano é o bolso. Se estivessem de fato interessados na educação, após o Enem me procurariam ou fariam um movimento, mas não agora”, criticou. “Tentaram colocar em risco a realização do Enem, que graças a Deus vai acontecer com toda a segurança”, garantiu Milton Ribeiro.
Ele informou que foi instalada no Inep uma diretoria de governança para averiguar quem deve receber a GECC e que só vai avaliar os pedidos de exoneração após as provas.
O deputado Professor Israel Batista (PV-DF) acusou o ministro de desviar o assunto. Segundo ele, o foco da questão não é a gratificação. “Senhor ministro, por que o presidente do Inep, durante a montagem das provas do Enem, criou uma comissão de montagem paralela, com pessoas sem experiência nessa atividade, e por que, quando tivemos acesso à lista sugerida, o presidente resolver amputar a ideia, tirar e voltar atrás?”, perguntou.
“O que a gente quer saber é por que no dia 2 de setembro de 2021 um agente da Polícia Federal entrou no ambiente seguro do Inep para realizar uma vistoria sem o conhecimento dos gestores do ambiente e da diretoria, que estava usando o ambiente para montagem das provas do Enem. Não inventa GECC, ministro, é disso que estamos falando”, completou Israel Batista.
O deputado Danilo Cabral (PSB/PE), afirmou que o ministro subestima a inteligência dos parlamentares ao tentar a reduzir a crise no Inep à questão da gratificação. “Ontem, nós demos entrada em representação no Tribunal de Contas da União para que instale auditoria para verificar as denúncias que foram apresentadas pelos servidores de assédio moral, quebra do sigilo, vazamento de informações, controle político ideológico da instituição e do Enem, precariedade na gestão técnica e de eficiência do ponto de vista da logística, e pedimos de imediato o afastamento do presidente Danilo Dupas”, informou o líder do PSB.
A presidente da comissão, deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), informou que foi criado um grupo de trabalho misto, composto por quatro deputados titulares e quatro suplentes e quatro senadores titulares e quatro suplentes, para acompanhar a realização do Enem.
Inscritos
A deputada Rosa Neide (PT-MT) informou que enviou pedido de informação à Polícia Federal e ao MEC sobre a presença da PF no espaço de elaboração da prova no Inep. “O ENEM não é do governo, é do País. É uma política de Estado que deu certo”, disse a parlamentar.
Além disso, Rosa Neide enviou pedido de informação ao Conselho Nacional de Educação para que se posicione sobre o ocorrido e entrou com ação no Ministério Público do Trabalho para discutir o assédio moral aos servidores do Inep, entre outras ações.
Rosa Neide afirmou que o presidente do Inep, que compareceu à Comissão de Educação na semana passada, não respondeu propriamente a nenhum dos questionamentos feitos pelos deputados e apontou diminuição no número de inscritos do Enem em relação a provas anteriores.
O ministro respondeu que falará sobre o número de inscritos após a realização do exame. “Quero saber quantos de fato vão fazer a prova”, disse.
Para o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE), o que está acontecendo é muito grave. “Que bom que lá tem gente altiva para entregar os cargos”, afirmou. O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) concorda com a gravidade da situação da entidade. “Há algo grave no INEP. Eu não acho que tenha sido um debate ideológico legítimo que tenha levado a essa debandada de servidores”, disse.
“O governo quer acabar com o Enem? Porque o desmonte que está sendo feito é estrutural, sem antecedentes”, destacou o deputado Bira do Pindaré (PSB-MA). Ao ministro, a deputada Tabata Amaral (PSB-SP) foi incisiva. “Quando o senhor responde aos nossos questionamentos sobre denúncia de assédio moral, intimidação de técnicos e tenta nos dizer que isso tem a ver com o pagamento de uma bonificação, comprova a tese de assédio que acontece no INEP”, disse a parlamentar.