Em reunião, nesta quarta-feira (14), com o relator, senador Omar Aziz (PSD/AM), para pedir a retirada do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) do Arcabouço Fiscal, a Frente Parlamentar Mista da Educação (FPME) apresentou a nota técnica com estudo sobre o impacto da inlusão do Fundeb na nova âncora fiscal. Leia nota na íntegra:
NOTA TÉCNICA: Inclusão da Complementação da União ao Fundeb no Teto de Despesa: projeção de impacto
Brasília, 14 de junho de 2023
Raphael Rocha Gouvêa
Pesquisador do IPEA (cedido/Câmara Federal) Frente Parlamentar Mista da Educação
Introdução:
Em 23 de maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar 93/2023. A proposta foi aprovada como substitutivo de plenário apresentado pelo relator Dep. Cláudio Cajado (PP/BA). Em seu substitutivo, o relator introduziu diversas alterações em relação ao projeto original apresentado pelo Poder Executivo, dentre elas a inclusão da Complementação da União ao Fundeb no limite de despesas do Poder Executivo. O objetivo principal desta nota é apresentar uma estimativa da pressão que a inclusão da Complementação da União no teto dos gastos ensejará sobre os demais itens da despesa nos próximos anos. Estimamos para o ano que vem um impacto de R$ 4,7 bilhões de reais, com efeito crescente até 2030, caso o texto aprovado na Câmara dos Deputados seja mantido pelo Senado Federal.
Argumentos Técnicos Pela Exclusão da Complementação:
A pedido do relator do PLP 93/2023, as Consultorias de Orçamento e Legislativa da Câmara dos Deputados produziram um informativo para detalhar os critérios adotados para inclusão e exclusão de itens de despesa do teto de gastos na versão do substitutivo1. O objetivo do informativo foi apresentar os critérios técnicos que subsidiaram a elaboração da proposta.
A seção III do documento descreve os quatro critérios utilizados para exclusão da base e do limite de despesas. São eles: (i) despesas que decorrem da repartição de receitas; (ii) despesas neutras do ponto de vista fiscal; (iii) despesas imprevisíveis, urgentes e relevantes, abertas por crédito extraordinário; e (iv) despesas sazonais que comprometem os limites da Justiça Eleitoral. Ao explicar a inclusão da Complementação da União ao Fundeb, os autores argumentam que o critério de repartição de receita não se aplica porque “não derivam de repartição de receita, nem são imprevisíveis, e também não se enquadram como despesas neutras do ponto de vista fiscal” (p. 7). Ainda que concordemos que as despesas não são neutras do ponto de vista fiscal, discordamos da conclusão de que a complementação não deriva de repartição de receitas. Ora, a regra que define o valor da Complementação da União (dada pela Emenda Constitucional 108/2020) deixa claro o caráter de vinculação de receita da complementação ao definir que seu valor é dado por uma alíquota percentual sobre o valor do Fundeb. Logo, se os valores do Fundeb são excluídos do teto por este critério, o mesmo deve valer para a Complementação. Para além dos argumentos aqui levantados, existe ainda uma realidade fática: a própria apuração da Secretaria do Tesouro Nacional da execução orçamentária do Fundeb reporta que cerca de 30% de seu valor tem origem em recursos da União2.
Por fim, vale discutir a implicação direta da inclusão da Complementação da União no limite de despesa. Como a regra da complementação é definida por dispositivo constitucional, a complementação crescerá segundo suas regras de vinculação ao Fundeb. Ou seja, sempre que o crescimento real da complementação dado por essa regra for maior do que o crescimento real da despesa permitido pelas regras do regime fiscal, a complementação do Fundeb pressionará as demais despesas. Nas palavras do informativo da Consultoria de Orçamento do Senado Federal3:
“Importante observar que o Substitutivo não prevê excluir a complementação da União ao Fundeb do teto de gastos. Contudo, permite que o aumento dessa complementação que ocorrerá anualmente de 2024 a 2026, conforme prevê o disposto art. 212-A, caput, incisos IV e V, da Constituição, seja acrescentado ao limite individualizado do Poder Executivo. Obviamente, o efeito não é o mesmo daquele que poderia advir do afastamento da incidência do teto de gastos sobre a complementação ao Fundeb. De fato, o crescimento dessa despesa é função não apenas dos percentuais previstos na Constituição para o triênio, mas também do aumento da arrecadação
Substitutivo ao PLP 93/2023 (Regime Fiscal Sustentável): critérios adotados para aplicação da regra que limita despesas primárias – inclusão/exclusão no teto. Informativo Conjunto No. 2/2023, Consultoria de Orçamento e Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 18 de maio de
- Informação extraída das tabelas de 2022 e 2023 (acumulado até abril) sobre a execução orçamentária das
“Transferências ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB)” (ver Planilha Resumo, Linha 92). O valor de 30% se refere ao percentual após excluir a complementação da União. Se a complementação for incluída, esse percentual sobe para valores próximos a 40%.
- Substitutivo ao PLP 93/2023 – Novo Arcabouço Fiscal (Parecer Preliminar de Plenário nº 1 – PRLP 1). Nota Informativa. Consultoria de Orçamento do Senado de determinadas receitas no âmbito da União e dos demais entes da Federação. Sendo assim, estando a complementação ao Fundeb compreendida no teto de gastos, seu crescimento em decorrência do aumento da arrecadação deverá comprimir as despesas discricionárias.” (p. 13, grifos nossos)
Estimativa de Impacto: pressão da inclusão da complementação no teto dos gastos
Dados:
Para simular o impacto da inclusão da Complementação da União no teto dos gastos segundo as regras definidas no texto aprovado na Câmara dos Deputados, precisamos definir um cenário para evolução dos principais parâmetros e variáveis que compõem o Regime Fiscal Sustentável. De modo a evitar uma discussão sobre o modelo de simulação e os parâmetros escolhidos, optamos por utilizar projeções fiscais realizadas pelo próprio Poder Executivo. Idealmente, seria importante utilizar as projeções que subsidiaram a elaboração do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2024, por serem as projeções mais atualizadas e que subsidiaram a elaboração da proposta. Porém, ainda que o Poder Executivo tenha feito projeções para o Fundeb para estimar suas despesas obrigatórias no PLDO, esta informação não é apresentada de forma desagregada no Anexo de Metas Fiscais4. Por este motivo, adotamos as projeções apresentadas no último Relatório de Projeções Fiscais publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) de dezembro de 20225. De forma a manter a análise consistente com o modelo de projeção utilizado pela STN, mantivemos a mesma projeção para inflação utilizada pela STN.
Metodologia:
A Tabela 1 apresenta a memória de cálculo de nossa estimativa de impacto.
O primeiro passo foi calcular o valor do crescimento real da receita primária segundo o conceito definido no projeto. Tal parâmetro é importante, pois define a taxa de crescimento real permitida para as despesas primárias sob o teto de gasto. A parte A da tabela apresenta o cálculo da receita primária segundo critério definido no Art. 5º do texto aprovado. Da lista de deduções da receita primária definidas no parágrafo 2º do artigo, apenas os incisos IV e V não são discriminados na publicação da
Ao se referir sobre os principais itens das despesas obrigatórias, o PLDO 2024 traz a seguinte informação: ”Complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB): dada a promulgação da Emenda Constitucional nº 108, de 26 de agosto de 2020 considerou-se, no cenário para 2024 a 2026, o aumento da Complementação em questão nos termos da referida emenda, calculada sobre as projeções das receitas que compõem esse fundo atualizadas”(p. 23). Anexo IV Metas Fiscais. PLDO
- Relatório de Projeções Fiscais 2º. Semestre de 2022. Secretaria do Tesouro
STN6. Utilizando o valor nominal para a receita primária (definida no conceito do regime fiscal) e o cenário de inflação utilizado pela STN em suas simulações, vemos que o cenário utilizado é bastante otimista para o crescimento real da receita, de modo que apenas a partir de 2027 o crescimento real das despesas seria constrangido pelo limite superior de 2,5% caso o governo cumpra a meta de resultado primário (parte B, linha 8.1). Em termos práticos, isto implica um cenário bastante otimista para a pressão que a inclusão da complementação pode exercer sobre as demais despesas sob o teto, já que o crescimento real permitido para as despesas como um todo é bastante positivo.
O segundo passo, apresentado na parte C da tabela, consistiu em calcular o valor projetado para os próximos anos para o Fundeb e para Complementação da União. Como a STN apresenta as projeções para os valores nominais da complementação da União, calculamos as projeções implícitas para o Fundeb a partir da regra de vinculação que define o valor da complementação dada pelo Art. 60 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCTs). Novamente utilizando a projeção de inflação do cenário da STN, calculamos o valor da Complementação e do Fundeb a preços constantes de 2023.
Por fim, na parte D da tabela, calculamos a pressão que a inclusão da complementação ensejará sobre as demais despesas incluídas no teto dos gastos. Como a ideia é avaliar o impacto de forma isolada da inclusão da complementação no teto de gastos, tratamos como constantes a evolução de todos os demais itens da despesa. Assim, calculamos o limite de despesa para a Complementação da União seguindo as regras definidas no texto aprovado e os parâmetros calculados anteriormente. Este limite é composto de dois itens: (i) o crescimento real permitido para as despesas sob o teto (o que vale para todos os itens da despesa sob o teto) (linha 10.1), e (ii) a previsão de que seja incorporado ao limite da despesa o crescimento decorrente do aumento em 2 pontos percentuais da alíquota da complementação da união até 2026 (linha 10.2). É importante ter em mente que no texto aprovado tal ajuste, definido no Art. 3º,§ 8º, só é válido para as atualizações do limite posteriores a 2024 (uma vez que não remete ao Inciso I do § 2º do Art. 3º e somente ao Inciso II) e até 2026, quando a alíquota da complementação atingirá os 23% definidos no Art. 60 dos ADCTs7. Como a Complementação da União tem previsão constitucional e seu valor é totalmente vinculado à evolução das receitas que compõem o Fundeb, ela não pode ser controlada pelo governo federal e seu valor é determinado em todos os anos pela regra constitucional. Assim, a pressão da complementação sobre os demais itens da despesa pode ser obtida como a diferença entre a projeção da complementação a preços de 2023 (linha 9.1), já que o governo não pode alterar esse valor sem alterações constitucionais, e o valor calculado para limite de despesa da complementação (linha 10).
O inciso IV trata dos recursos obtidos pelo governo das contas não reclamadas do PIS/PASEP, segundo previsão da EC 126/2023. E o inciso V trata de receitas com programas de recuperação fiscal que serão instituídos após aprovação do projeto de lei complementar. Logo, não dispor de tais itens, não altera o resultado das projeções aqui 7 Mesmo na versão do substitutivo aprovado, a redação final do § 8º do Art. 3º é confusa, dando margem a diferentes interpretações (a versão do primeiro parecer de plenário era ainda pior no quesito clareza). Aqui utilizamos a interpretação mais consistente com a redação final do texto aprovado. Esta situação também ocorreu quando da aprovação da Emenda Constitucional 95 de 2016, que instituiu o teto vigente, quando equipes técnicas dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento apresentaram três interpretações diferentes a ser dado aos fundos constitucionais de financiamento. Sobre este ponto, ver seção IV da Nota Técnica EC 95 da STN de 01 fevereiro de 2017.
Resultados:
Apresentamos as estimativas para dois cenários. No cenário A, partimos da hipótese que o governo cumpre a meta de resultado primário em todos os anos do horizonte de projeção. No cenário B, a hipótese é que o governo descumpre a meta em 2024. No cenário A, a pressão da Complementação da União sobre demais itens de despesa do teto de gasto é da ordem de R$ 4,7 bilhões já em 2024. Este efeito é crescente até 2030, quando a pressão atinge R$ 6,8 bilhões, e só cai no último ano do horizonte de projeção retornando para um valor próximo ao de 2024 (linha 11A). No cenário B, o impacto é ligeiramente superior em todos os anos do horizonte de projeção (da ordem de R$ 0,2 bilhões), sendo o impacto maior decorrente da menor taxa de crescimento real permitida para as despesas sob o teto (redução do limite permitido para 50% do crescimento real da receita devido ao não cumprimento da meta em 2024).
Conclusão:
No Informativo Conjunto das Consultorias de Orçamento e Legislativo da Câmara referenciado anteriormente, os autores afirmam que:
“Contudo, para evitar que a inclusão da complementação da União ao Fundeb entre as despesas que serão submetidas ao limite de gastos tenha algum potencial de restrição fiscal, foi incluído, no § 8º do Substitutivo, a previsão de ampliação dos limites do Poder Executivo na medida do crescimento das complementações (de 17% para 19%, 21% e 23%) antes mencionados”. (p. 7, grifos nossos).
Mostramos nessa nota que, mesmo diante de um cenário de projeção otimista para a taxa de crescimento real das receitas primárias segundo o critério definido no Art. 5, as do PLP 93/2023, não se verifica que o mencionado ajuste para o crescimento das complementações elimina a pressão da inclusão da complementação sobre os demais itens de despesa. De fato, mostramos que, caso aprovado na versão aprovada na Câmara dos Deputados, essa pressão será de mínimo R$ 4,7 bilhões já no ano que vem, com valor crescente até 2030 quando atingirá R$ 6,8 bilhões. Assim, se quisermos alcançar o objetivo de neutralidade fiscal afirmado no próprio informativo que delineou a proposta, não resta outra opção que excluirmos a Complementação da União da base de cálculo e do limite de despesas.
Fonte: Relatório de Projeções Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional – Dez/2022, SIGA-Brasil e Cálculos Próprios.