O protagonismo do Legislativo na Educação e a ausência do MEC

O artigo foi publicado em 13 de julho no Estadão. De autoria de Ana Paula Massonetto e de Maria Cecília Gomes Pereira

Não é novidade que a educação não é uma prioridade do governo de Jair Bolsonaro. Desde 2019, após sucessivas alterações no comando do Ministério da Educação (MEC), por onde já passaram 3 ministros e 6 secretários de educação básica, o que se repete é a ausência de coordenação nacional, a falta de apoio técnico e financeiro às redes públicas na oferta do ensino remoto durante a pandemia de Covid-19, cortes sistemáticos no orçamento da área e uma agenda que ignora os principais problemas da educação brasileira.

Por outro lado, observamos um papel propositivo e protagonista de lideranças e grupos do Congresso Nacional para a educação brasileira, seja pautando agendas estruturantes, especialmente para a educação básica, seja evitando retrocessos e buscando mitigar os imensos impactos da pandemia na aprendizagem e no desenvolvimento de milhões de crianças, adolescentes e jovens.

Nos últimos dois anos, o Legislativo federal protagonizou várias iniciativas centrais para a educação brasileira, como a Proposta de Emenda Constitucional e o Projeto de Lei de Regulamentação do novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), ambos de autoria da deputada Dorinha Rezende (DEM). A aprovação unânime do novo Fundeb, o principal mecanismo de financiamento da educação básica, em 2020, foi um grande avanço para o país à medida que o tornou permanente, maior e mais redistributivo.

Outra ação de destaque do Congresso Nacional, frente a ausência do MEC no enfrentamento dos efeitos da pandemia na educação básica, foi a aprovação da Lei nº 14.172/2021, de autoria coletiva de um conjunto de deputados, que prevê investimentos de R$ 3,5 bilhões para garantir acesso à internet, para 18 milhões de estudantes em situação de pobreza e vulnerabilidade, cadastrados no Bolsa Família, e para professores da educação básica pública. Porém, o governo federal se recusa a agir para atender milhares de estudantes que estão com seu direito à educação negado. Bolsonaro vetou a lei, mas, posteriormente, sob muita pressão o Congresso derrubou o veto. Na semana passada, contudo, o presidente acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar suspender a lei.

Em 2020, apenas 23,2% das redes públicas ofertaram acesso gratuito ou subsidiado à internet para alunos estudarem de forma remota durante a pandemia e 26,9% disponibilizaram algum equipamento, conforme pesquisa realizada pelo próprio MEC. Em 2020, 5,1 milhões de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos não frequentaram a escola e não tiveram acesso a atividades escolares, conforme dados do Unicef. Os riscos de evasão escolar são altos, assim como de perda de aprendizagem, ampliando as desigualdades educacionais já existentes. Enquanto isso, o governo prioriza a regulamentação da educação domiciliar (homeschooling), cujo mérito da proposta é altamente questionável.

A criação, em abril de 2019, da Frente Parlamentar Mista da Educação, por 312 deputados federais e 42 senadores, com o propósito de colocar em pauta temas fundamentais para melhoria da qualidade da educação no Brasil, e da Comissão Externa de acompanhamento do Ministério da Educação (Comex/MEC), na Câmara dos Deputados, com o objetivo de acompanhar as atividades da pasta, monitorar a execução orçamentária, fazer recomendações e tentar evitar retrocessos, são duas iniciativas institucionais de extrema relevância no contexto atual.

Igualmente relevante são um conjunto de propostas legislativas de pautas estruturantes e alinhadas aos desafios atuais da educação básica brasileira, de autoria de diversos parlamentares, como projetos de lei propondo ações emergenciais para o enfrentamento dos efeitos da pandemia na educação, a regulamentação do Sistema Nacional de Educação e de Arranjos de Desenvolvimento da Educação, assim como projetos de lei voltados às políticas docentes, à gestão escolar e à educação infantil.

Embora o desenho e a implementação das políticas públicas sejam intrínsecos ao Poder Executivo, cabe ao Poder Legislativo atuar proativamente nas diferentes etapas que constituem o ciclo das políticas públicas. Com efeito, a atuação do Legislativo pela educação, que extrapola a proposição de legislação, não se restringe ao Congresso Nacional. Há algumas experiências importantes de legislativos estaduais e municipais, como uma ação da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará que contribuiu para a construção da política de alfabetização em regime de colaboração cearense, que hoje é referência nacional. Em 2004, foi criado no Legislativo Estadual o Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar com o objetivo de mobilizar e promover a discussão sobre a alfabetização de crianças, investigar as causas do analfabetismo escolar e propor medidas para reverter o quadro. O Comitê mobilizou diversos atores sociais em todo o estado e realizou três pesquisas que foram centrais para apresentar um diagnóstico e propor ações.

As ações do Comitê contribuíram para dar visibilidade ao analfabetismo escolar como um problema público, colocando o tema como prioridade na agenda societária e, posteriormente, na agenda governamental. Como fruto do trabalho feito pela Assembleia Legislativa, em 2005, foi criado o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC), em caráter de piloto, por meio de uma cooperação entre a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME-CE) e a Associação dos Municípios e Prefeitos do Estado do Ceará, com apoio técnico e financeiro do Unicef, sendo implementado em 56 municípios. Em 2007, o programa piloto foi incorporado e universalizado pelo Governo do Estado do Ceará, tornando-se uma política de Estado.

Há espaço, portanto, para que os legislativos federal, estaduais e municipais incidam nas políticas públicas, desde a formação da agenda, na formulação de políticas, no processo de tomada de decisão, mobilizando atores e ecoando vozes da sociedade civil organizada, regulamentando e fiscalizando a implementação, criando mecanismos ou incentivos e avaliando as políticas públicas. O Congresso Nacional vem demonstrando que, especialmente diante da ausência ou de agendas retrógradas do Executivo, o Legislativo pode desempenhar um papel estratégico para que a educação seja uma prioridade nacional e para assegurar o investimento em educação pública de qualidade e com equidade para todos e todas, de modo que o direito à educação de todas as crianças, adolescentes e jovens brasileiros seja, de fato, assegurado.

Fonte: Estadão

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